Parceria Comercial x Contrato de Emprego.
O modelo dos profissionais da beleza e das oficinas mecânicas
Quando uma pessoa física presta serviços a outra, física ou jurídica, de forma onerosa, pessoal, habitual e subordinada há uma relação de emprego e, por consequência, um contrato de emprego, por força dos artigos 2º e 3º da CLT.
Ocorre que este modelo e sua correspondente interpretação ignoram as transformações que o mundo experimentou nos últimos 100 anos, especialmente as modificações no mundo empresarial, a sofisticação das suas atividades, a evolução da escolarização dos empregados e o seu acesso às mesas informações que o empregador.
Como bem disse Georges Ripert: “Quando o Direito ignora a realidade, a realidade se vinga ignorando o Direito”.
Assim, na medida em que as relações entre empregado e empregador evoluíram, sofisticando-se o modo de produção e a forma de prestar serviços, foi necessário adequar aqueles conceitos à realidade, de forma que o Direito desse uma resposta adequada às relações sócio-econômicas, sob pena de divórcio entre estas duas realidades.
E nesta evolução das relações capital-trabalho surgiram atividades em que duas pessoas unem recursos e esforços para a prática de atividades empresariais, dividindo entre elas os resultados obtidos, sem, contudo, constituírem uma sociedade formal. São os parceiros comerciais!
Neste modelo não há relação de emprego e nem uma sociedade formal. Há muitas atividades econômicas já reguladas que se desenvolvem, tais como: o trabalho do representante comercial autônomo (Lei nº 4.886 /65); o transportador autônomo de carga, cujo trabalho é regulado pela Lei 11.442/07, desempenha atividade de natureza comercial, e não trabalhista; e, mais recentemente os profissionais do segmento de beleza (cabeleireiro, barbeiro, manicure etc), regulados pela Lei 13.352/16. A Lei que regulamentou os profissionais da beleza materializa a corrida do Direito para regular a evolução sócio-econômico-empresarial deste segmento econômico, pois há anos tais profissionais passaram a ter autonomia sobre suas agendas, clientes, produtos usados durante o atendimento e jornada de trabalho, ao passo que o dono do salão fica responsável pela regularidade, conforto e segurança do estabelecimento, com posterior partilha dos resultados.
O segmento de oficinas mecânicas, reparo e manutenção automotivo já comporta regulação semelhante ao segmento da beleza, pois tal atividade é desenvolvida no mesmo modelo.
Uma pessoa (ou mais) fica responsável pelo estabelecimento comercial, conforto e segurança dos clientes e o marketing (parceiro capital), enquanto mecânicos, pintores e funileiros executam os serviços (parceiro trabalho). Dos valores recebidos, de 30% a 40% fica com o parceiro capital e de de 60% a 70% fica com o parceiro trabalho.
A Jurisprudência reconhece a validade dos contratos de parceria no segmento de oficinas mecânicas, desde que haja significativa participação do trabalhador na partilha dos frutos e que ele tenha certa autonomia, por exemplo, sobre:
jornada de trabalho, horários de descanso, emendas de feriados etc;
participação na definição dos preços dos serviços a serem cobrados dos clientes;
e participação significativa nos valores auferidos, normalmente superiores a 50%.
Neste cenário, infere-se que o modelo de parceria comercial entre oficinas e profissionais na área de mecânica é LÍCITO, possível e rentável para ambas as partes, sendo fundamental, todavia, que a relação seja isenta de subordinação jurídica e/ou estrutural. O profissional-parceiro deve gozar de autonomia na definição da sua jornada de trabalho, rotina e modo de trabalho, acolhendo as regras da oficina-parceira que se mostrarem indispensáveis ao bom funcionamento das atividades.
Importante frisar, por fim, que eventual litígio nesta situação exigirá que a oficina-parceira comprove a verdadeira relação jurídica que sustenta o modelo de negócio, o que pode ser feito: com a elaboração de um Contrato de Parceria por um profissional da área jurídica, refletindo os direitos e obrigações de cada contratante, os responsáveis pelas questões fisco-tributárias, a necessária prestação de contas de parte e parte etc; e implementação na empresa de rotinas que garantam o registro de fatos que provem tais autonomias etc. Sem a menor pretensão de esgotar o tema, o assunto é novo, polêmico e comporta debates técnicos e fundamentos.
José Roberto Reis da Silva
OAB/SP 218.902