Contratos de Parceria Agrícola e de Fornecimento de Cana.

O presente artigo abordará o processo de aquisição de matéria prima por Usinas Sucroalcooleiras. Será adotada uma abordagem jurídica simples e prática do tema, sem a expectativa de esgotar o assunto, que é complexo e envolve diversas outras ciências, dentre elas o planejamento agroindustrial, contabilidade e a formação de relacionamentos sustentáveis.

“Originação de cana” é o nome dado ao processo de produção e obtenção da matéria prima que será industrializada por uma Usina, com vistas à produção de açúcar, etanol e energia, além de subprodutos como bagaço, torta de filtro, óleos e fuligens industriais etc.

Via de regra, a obtenção da cana é materializada em contratos de parceria agrícola, de fornecimento e nas compras spot. Também existe o contrato de arrendamento, que atualmente é pouco usado por questões fisco-tributárias e a existência de alguns modelos mais sofisticados, como os contratos tripartites.

Parceria agrícola
Este modelo de contrato ainda é o majoritário e preferido por algumas Usinas, pois a gestão do canavial pertence exclusivamente à empresa agroindustrial, o que garante menor custo da cana – questão chave na sobrevivência da Usina – e maior segurança ao negócio em razão da vigência contratual ser mais dilatada. No dia-a-dia as Usinas chamam esta cana de ‘cana própria’.

Via de regra o contrato é celebrado por 6 anos. No primeiro ano a lavoura será formada (plantio) e a colheita ocorrerá a partir do segundo ano.

A parceria agrícola está prevista no Estatuto da Terra e, em síntese, o proprietário (‘parceiro outorgante’) cede a posse da fazenda à Usina (‘parceira outorgada’), para que ela faça a formação do canavial e a colheita, dividindo-se os frutos ao final, que normalmente é 80% para a Usina e 20% ao proprietário.

Desde a contratação fica estabelecido, também, que a Usina comprará os 20% do parceiro, cujo preço será definido pelo sistema Consecana/SP, com realização de adiantamentos de preço ao parceiro outorgante-vendedor ao longo do contrato, conforme a quantidade de toneladas estimada para cada alqueire cultivado.

E aqui residem pontos importantes:

Toneladas/Alqueires/ano ou toneladas/alqueires/safra: a quantidade de toneladas e ser paga/adiantada será apurada por ano civil de vigência contratual ou por ano-safra, assim entendido como sendo o ano em que ocorre colheita? O contrato deve ser preciso e induvidoso neste ponto, pois a diferença financeira será de 20%. Por exemplo, 50 toneladas por alqueire/ano será 20% mais caro do que 50 toneladas por alqueire/safra
Ajuste ao final do ciclo: o contrato precisa dizer claramente se ao final do ciclo haverá ajuste de pagamentos entre a produção real e os valores adiantados, pois se o recebimento dos adiantamentos for garantido, independente da produção, o fisco poderá entender que há, em essência, contrato de arrendamento,gerando autuações e riscos tributários; e
Custo (fora da caixa): em Usinas, o custo é medido de forma unitária, ou seja, R$/tonelada de cana produzida. Se o valor do ‘adiantamento’ pago ao proprietário é fixo em “toneladas por alqueire”, quanto maior a produtividade menor será o custo. E, atualmente, produtividade é medida pelo TAH – toneladas de açúcar por hectare, em substituição ao tradicional TCH – toneladas de cana por hectares. O teor de ATR na cana faz toda a diferença, ainda que a massa ainda tenha a sua importância.
O objeto do contrato também deve ser muito bem determinado pelas partes. É muito comum que os contratos estabeleçam que o objeto do contrato é a exploração agrícola da área agricultável, ou seja, apenas o canavial.

Assim, a posse das demais áreas da Fazenda permanecem com o proprietário, cabendo a ele a preservação ambiental, a proteção contra eventuais invasões etc.

O período de vigência do contrato também merece atenção especial.

Corriqueiramente o contrato garante à Usina a possibilidade de cortes adicionais ao final do ciclo, caso a soqueira ainda seja economicamente viável. Ocorre que esta análise de viabilidade de soqueira será feita após a última colheita, ou seja, poucas semanas antes do término do contrato inicialmente convencionado.

Entretanto, é bastante comum os contratos de parceria agrícola preverem que a eles aplica-se o artigo 95 do Estatuto da Terra, que regula a renovação automática do contrato, se o proprietário não notificar a Usina com 180 dias de antecedência.

Imaginemos um contrato que vencerá em 30/11/2018, podendo a Usina, se assim quiser, realizar até 02 (dois) cortes adicionais. Enquanto o parceiro outorgante terá até 30/05/2018 para Notificar a Usina de eventuais propostas de terceiro ou retomada para uso próprio, a Usina terá até o final da safra para dizer se exercerá o corte adicional ou não, podendo surgir dúvidas e conflitos entre as partes.

Em que pese a divergência jurisprudencial sobre aplicação do artigo aos contratos de parceria, é recomendável que o contrato previna este conflito e estabeleça, claramente, o cronograma de comunicação entre as partes.

A propósito da comunicação entre as partes, é bastante útil a cláusula que reconhece como válida e eficaz a comunicação feita por e-mail. Por exemplo, após o plantio o proprietário poderá ser informado eletronicamente sobre a área agricultável definitiva.

A forma de devolução da área ao proprietário também carece atenção. Ela será devolvida com a soqueira já erradicada ou na condição em que estiver?

Se esta decisão for tomada apenas no momento da devolução, o contrato precisa prever qual das partes terá este prerrogativa.

Sem a menor pretensão de esgotar o assunto, falamos um pouco sobre aspectos jurídicos e práticos envolvendo contratos de parceria agrícola.

José Roberto Reis da Silva – Advogado

OAB/SP 218.902